Saúde e Direitos Humanos

Sepe organiza luta contra arbitrariedades do CREF/RJ

O Sepe está organizando o segmento de docentes de educação física das escolas públicas para resistir ao assédio do governo estadual, que vem exigindo dos professores da rede estadual, a filiação ao Conselho Regional de Educação Física da Primeira Região (Cref 1-RJ/ES). Convocamos a categoria que atua nas redes estadual e municipais no Estado do Rio de Janeiro para se contrapor ao autoritarismo deste conselho e à sua ingerência nos assuntos educacionais. O mesmo se dá nas escolas privadas, sob a orientação do Sinpro/Rio, que sediará em conjunto com o Sepe, um encontro de professoras e professores de educação física, das escolas públicas e privadas, no próximo dia 23 de março de 2019.


O aparelhamento da educação física brasileira por um setor conservador e extremamente corporativista, tem sido um elemento que acompanha a história dessa disciplina no país. A partir dos anos 1980, tínhamos uma conjuntura no interior da qual, estivemos sempre atuando nas lutas sindicais que estremeciam o país. Aquele momento de polarização na luta de classes expôs dois setores que defendiam projetos antagônicos para a educação física: um setor combativo, reconhecido por suas ações em defesa da classe trabalhadora e de suas iniciativas de organização e outro, conservador, alinhado à ordem estabelecida e aos patrões.


O setor combativo luta por uma educação física ampliada e superadora do seu histórico conservador: a superação das tendências pragmática, militarista, higienista, tecnicista e desportivista, alimentadas pelo conservadorismo. Entende a educação física enquanto um instrumento pedagógico de atuação no campo escolar e não escolar, que porta um imenso potencial transformador do senso comum, numa perspectiva integral da docência. Licenciatura e bacharelado exigem, segundo este setor combativo, uma atuação docente e pedagógica, em seus múltiplos campos de intervenção. Por exemplo, a atividade do docente de educação física, aonde quer que seja requisitado – escolas, creches, clubes, academias, condomínios, empresas, hotéis, praças, ONGs, personal training, treinamento ou projetos de toda natureza –, denota uma ocupação essencialmente docente, pedagógica, portanto, independentemente da faixa etária e da classe social da aluna ou do aluno a ser trabalhado.


Contudo, não é assim que pensam os quadros representados, sobretudo, pelos dirigentes do sistema Confef/Crefs. A sua limitada interpretação sobre a docência e o magistério induziu-os, sem que eles mesmos soubessem, à adesão ao conceito liberal de “profissional” de educação física, negando a categoria de “professor” e, mais ainda, a de “trabalhador”. Assim, operam para descolar estes sujeitos da sua realidade política e, portanto, da luta de classes, trabalhando com a lógica empresarial do “empreendedorismo”, da “pró-atividade”, do “empoderamento”, da “resiliência” e outros jargões dominantes, incorporados à ideologia para rebaixar e desqualificar a potencialidade do professor de educação física enquanto agente pedagógico, no uso dos múltiplos conteúdos da disciplina.


A professora e o professor de educação física sempre foram considerados pelo setor combativo como trabalhadores da educação, pertencentes à classe trabalhadora brasileira como um todo. Neste contexto, torna-se imperiosa a necessidade política da sua participação na luta de classes, enquanto sujeitos históricos e transformadores.


O setor conservador deteve o controle da disciplina, impondo o discurso dominante da reserva de mercado, do corporativismo e da fragmentação da formação acadêmica. Tudo em defesa de uma suposta e abstrata expansão do mercado, que iria absorver todos os professores formados na educação física. Centravam sua argumentação, na concorrência que representavam os chamados “leigos” – ex-atletas e curiosos diversos que atuavam na educação física –, mas que foram por eles mesmos regulamentados pelo conselho posteriormente criado, sob a categoria de “provisionados”.


Estimularam a fragmentação política deste segmento da nossa categoria ao criarem aparelhos políticos pelos estados, as Associações de Professores de Educação Física (Apefs), as quais viriam legitimá-los a manter relações fisiológicas com governos e partidos políticos de direita e/ou de extrema direita.


Da parte do segmento combativo da educação física, havia uma necessidade premente de organizar estudantes e professores, em nível nacional, forjando-os na luta política e subsidiando-os com instrumentos teóricos – teses de doutorado, dissertações de mestrado, artigos, debates, seminários, encontros, plenárias. As batalhas que viriam, seriam travadas pelos sindicatos de trabalhadores de educação, estaduais e municipais, das redes públicas e privadas, os quais contariam com o apoio político, científico e teórico do Movimento Nacional Contra a Regulamentação do Profissional de Educação Física (MNCR).


Tratava-se de mais uma investida do capital no país e no mundo, conhecida como neoliberalismo, e que preparou as condições materiais que originariam o Sistema Confef/Crefs, em 1998. O resultado deste processo se expressa na aprovação da Lei 9696/98, que regulamentou a profissão e, como consequência, criou o Conselho Federal de Educação Física (CONFEF) e seus respectivos Conselhos Regionais (CREFs). Contudo, mais este ataque aos trabalhadores de modo geral, e aos professores de educação física, de forma particular, não se deu impunimente.


Em 1999, estudantes e professores criam o MNCR, que tem no Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes-SN) o seu principal eixo organizatório nacional, deste movimento do qual participam também, trabalhadores de outras áreas de atuação profissional. Com quase 20 anos de existência, o MNCR continua organizado nacionalmente, tendo por princípio ser contrário à tese da regulamentação da profissão, por entendê-la como uma tese fragmentária e corporativista. O MNCR é a principal organização de enfrentamento, denúncia e desvelamento das reais intenções que constituíram o Sistema Confef/Crefs, revelando assim os interesses que alimentam a ideologia da regulamentação das profissões, na fase de avanço e aprofundamento do neoliberalismo.


A tese da reserva de mercado não se sustenta frente à atual crise do capitalismo, que demanda a expansão do desemprego estrutural, como medida para o controle momentâneo de mais uma de suas crises. Precisamos dar ênfase àquela que é a principal função do Sistema Confef/Crefs: ser um braço do capital no interior das escolas, para perseguir e chantagear professoras e professores de educação física legalmente regulamentados pelo MEC, visando ampliar e fortalecer financeiramente, mais um aparelho político e ideológico do conservadorismo.


Organizar e unificar para derrotar o CREF e os governos reacionários


A nossa organização é de fundamental importância para impedir que o Sistema Confef/Crefs continue sua intervenção arbitrária no campo escolar. Ao se impor como representante legal, condiciona, de forma ilegal, a ação pedagógica da professora e do professor de educação física à filiação aos Crefs. Deste modo, assedia os docentes ao se autoproclamar seus representantes, como se jamais tivesse sido contestado em sua investida abusiva e coercitiva.


O Conselho Nacional de Educação (CNE), alguns Conselhos Estaduais e Municipais de Educação, e mesmo o Poder Judiciário, já se manifestaram contra a arrogância e os abusos do Sistema Confef/Crefs. Através do Ministério Público e do Juizado de Primeira Instância, foram concedidas liminares que impediram o conselho de continuar exigindo a filiação de docentes, inclusive para fins de inscrição em concursos públicos, tanto na esfera municipal quanto na estadual. Mais ainda, e principalmente, o Sistema Confef/Crefs é proibido pelo conjunto da legislação brasileira, de exigir de docentes aprovados em concurso público, filiação para a tomada de posse de cargo efetivo do magistério público, em secretarias municipais e estaduais de educação.


É importante reforçar que todos estes docentes, seja da escola pública ou privada, são regulamentados pelo MEC, o que também ocorre com todos os demais cursos de licenciaturas no Brasil. A este respeito, vale resgatar o Parecer do Conselho Estadual de Educação da Bahia , que dá destaque ao fato dos cursos de graduação terem por finalidade a formação de professores para atuarem no magistério da educação básica, sob a supervisão, “em cada Sistema de Ensino, por seus próprios órgãos, com a denominação legal e prevista como ‘PROFISSIONAIS DE EDUCAÇÃO BÁSICA’”.


O Sistema Confef/Crefs não tem legitimidade jurídico-institucional para assumir o papel normatizador da ação pedagógica do docente de educação física no campo escolar. Muito menos, para questionar a legalidade de cursos de educação física em qualquer universidade, pública ou privada. Esta é uma prerrogativa do Estado, garantida pelo Artigo 9° da LDB, que trata das incumbências da União, no seu Inciso VII.


O referido Parecer é enfático ao afirmar que o “Magistério não é Profissão Regulamentada por Conselhos Profissionais” e prossegue afirmando que “não podem essas instituições impor às escolas, aos profissionais da Educação e ao Poder Público condições para concurso, admissão, posse e exercício das funções educacionais nos sistemas de ensino, no conjunto curricular, parte nacional e diversificada, onde se inclui a Educação Física, com perfil adequado às atividades educativas”. Mais adiante, depois de reconhecer que o bacharelado em educação física está submetido ao registro profissional, o Conselheiro Relator, Pedro Sancho da Silva, destaca a superioridade da LDB sobre o Sistema Confef/Crefs, citando o seu Artigo 63, Inciso II, “e na forma disciplinada pelo CNE/CES, se submetam ‘ao programa de formação pedagógica para portadores de diploma de educação superior que queiram se dedicar a educação básica, mediante cursos especiais’ que conferem equivalência de direitos decorrentes da Licenciatura Plena para todos os fins de Direito Educacional”.


Ou seja, estes docentes não estarão mais “sujeitos ao referido registro e controle”, ainda que tenham sido diplomados no bacharelado, nem tampouco poderão ser coagidos a se filiarem, no caso de inscrições “em concurso para cargo de Magistério ou para sua investidura, posse e exercício”.


O Sepe sempre esteve presente no combate às arbitrariedades desta entidade, juntamente com o MNCR. Vimos lutando contra a obrigatoriedade de filiação ao conselho, em editais de concursos públicos, para se realizar a inscrição ou para se tomar posse. Fomos contra suas ações coercitivas, sob a mera justificativa de fiscalização das escolas.


Sempre com a conivência do Estado, sua ação se dá pela localização de professoras e professores não filiados ao conselho, a fim de exigir deles a filiação, utilizando-se para isso, de métodos coercitivos e autoritários que escondem seu verdadeiro objetivo, que é arrecadar para fortalecer o seu aparelho corporativo, como já abordamos acima.


Lembramos que esta arrecadação é articulada nos corredores palacianos, à margem da lei, e possibilitada, apenas, pela decorrência política da permissibilidade de prefeituras, governos estaduais e Distrito Federal. Os governantes destes entes federativos deveriam ter a responsabilidade de consultar a Carta Magna e a LDB antes de se submeterem às imposições de quaisquer entidades corporativas, de natureza privada, ainda que de direito público.


Essa conjuntura, de polarização ideológica e avanço do ultraconservadorismo político, abre margens para o que já está acontecendo, como na recente comunicação formal da SEEDUC às unidades escolares da rede pública estadual, às vésperas do Natal de 2018. O governo estadual, em seu suspiro final de fim de mandato, requereu com urgência, o preenchimento de uma planilha com dados dos professores de educação física da rede estadual, exigindo o número do registro no Cref 1. Esta é mais uma comprovação do total desconhecimento e/ou conivência política das autoridades com as arbitrariedades, irregularidades e abusos deste conselho profissional, tal como já demonstramos acima.


Por fim, cabe ressaltar que Bolsonaro é formado pela Escola de Educação Física do Exército e que o Sistema Confef/Crefs se identifica ideologicamente com suas políticas. Esta batalha não é exclusividade dos professores de educação física. Ao contrário, é parte integrante de uma luta muito mais ampla contra as políticas ultraliberais e militarizantes que os governos Witzel e Bolsonaro tentarão impor à classe trabalhadora.


Necessitamos unir forças para derrotarmos definitivamente o Sistema Confef/Crefs. Só assim resgataremos a dignidade e a autonomia política e pedagógica das professoras e professores de educação física, frente à opressão exercida por este conselho na sua atividade marginal, que alimenta a sua ilegalidade e o exercício de suas ações coercitivas.


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